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Arquivo da Categoria  Coisas da vida

01fev

Certos leitores

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Às vezes, você escreve sobre temas aparentemente irrelevantes – mas que, sem que você se dê conta, acabam se encaixando como uma luva em alguém que você nunca viu na vida. Como certa vez, quando comentei sobre os pássaros que sempre observava nas árvores em frente à agência em que trabalho. Várias vezes ao dia vou até o pátio para espiá-los, e contava isso em meu texto, como quem reportava uma necessidade da alma.

Gosto mesmo de observar passarinhos, achar aqueles de cores diferentes, de canto mais suave ou trinado mais estridente, de escuros bicos ou branca penugem. Adoro descobrir novos cantares, mas não passo disso, desse amor de instantes, sem compromisso nem vontade de saber que tipo de pássaro é, o que come, a que família pertence ou que região o habita.

Comentava, então, sobre a preciosidade desses pequenos momentos em que desfrutamos da presença de alguém, gente ou bicho, com tamanha intensidade e alegria que poderia ser este nosso único alimento do dia. E eis que alguém se identifica com esse sentimento, a ponto de me escrever longa mensagem sobre isso. A pessoa não se contenta, porém, em tecer elogios ao texto e à autora: quer me contar a história de seu papagaio de estimação e escreve, verso por verso, as músicas que ele garantia que o bichinho cantava – algumas do Legião Urbana e do Chico Buarque, acreditam? Eu, não. Até porque, cá entre nós, ele não se deu o trabalho de digitar as letras – atacou de Ctrl C, Ctrl V, algum site de cifras musicais.

Mas, depois de Eduardo e Mônica e Apesar de Você – o tal papagaio tinha mesmo uma veia meio revolucionária, a julgar pelo repertório –, o meu admirador pede, educadamente, para me incluir no seu mailing de “amigos da literatura”. Respondo, agradecendo e, claro, permitindo a inclusão de meu endereço em sua lista. Vai daí que…

Há mais ou menos dois anos recebo, religiosa e diariamente, às vezes mais de uma vez por dia, poesias, discrepâncias, piadas, horóscopo (o cara também é astrólogo ou coisa que o valha), predições as mais diversas e, pior de tudo, o que ele chama de “verdades” sobre as dificuldades de todos nós, do álcool às drogas, do casamento às restrições da velhice. A melhor de todas chegou hoje em forma de frase de efeito: “Quando pensar em consumir (drogas, álcool ou mesmo estourar o cartão no shopping), dê um jeito de sumir”. Fico aqui me perguntando em que raio de viés aconteceu algum ponto em comum com o meu caro leitor. São os mistérios do verbo.

25jan

Três anos de impunidade

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Já falei sobre isso, de como não consigo esquecer aquele domingo. Por ironia do destino, acordara às cinco da manhã para fazer café para meu irmão, que estava voltando para Santa Maria após uns dias de férias por aqui. Depois das costumeiras e chorosas despedidas, decidi dormir um pouco mais. E me deitei ao lado de um alemão que parecia nem respirar, tão profundo era seu sono.

Mal tento fechar os olhos e, no criado-mudo, percebo que meu celular vibra loucamente, avisando de repetidos posts nas redes sociais. Um professor de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, que me deu aulas de redação e de jornalismo literário, era um dos mais insistentes: morava próximo à Boate Kiss e, àquela hora, já contava os caminhões que transportavam os corpos que estavam sendo retirados do incêndio.

Demorei alguns segundos para entender o que estava acontecendo e, então, fui tentar ver os noticiários da TV. Nada, ainda – as equipes das emissoras nacionais acabariam chegando à tarde e à noite à minha tão machucada Santa Maria. Pouco a pouco, fui anotando os nomes dos jovens de minha nada pequena família e tentando contato para saber se estavam todos bem. Uma angústia sem fim.

Naquela manhã de domingo, 27 de janeiro de 2013, a cidade toda madrugou. Arrancadas da cama por sirenes e desespero, as pessoas tinham apenas uma coisa em mente: saber se seus amados jovens estavam na boate. Entre mil e 1,5 mil deles estavam lá, compartilhando um espaço adequado para 600 e pouco. Quando o fogo começou, muita gente correu para o lugar errado – pensando que havia uma saída nos fundos, aquela gurizada linda, a maioria universitários, correu para a morte, embretados no pequeno corredor que dava acesso aos banheiros.

Mas às cinco e pouco da manhã, eu não sabia, ainda, de nada disso. Queria apenas ter certeza de que meus sobrinhos estavam bem. Não imaginava a extensão daquela tragédia que nos roubou, impunemente, 242 jovens e feriu quase 700. Foi a maior, em número de mortos, nos últimos 50 anos no Brasil, a terceira maior do mundo, em se tratando de casas noturnas.

Nesta quarta-feira, dia 27, a Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria denuncia o caso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Até agora, apenas quatro pessoas (dois sócios da boate e dois músicos) aguardando julgamento pelos fatos. Quatro bombeiros foram julgados e condenados. Nenhum outro agente público foi julgado. Não, não dá para esquecer!

18jan

Em busca de humanidade

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Semana passada fui tomar café da manhã com amigos muito queridos e colegas de trabalho bastante especiais. Sozinho, em uma mesa afastada dos holofotes do lugar, que é muito frequentado por joinvilenses ilustres, um juiz que admiro muito. João Marcos Buch escreve uma notável trajetória como titular da Vara de Execuções Penais e corregedor de presídios da comarca de Joinville. Além de um excelente escritor, com vários livros publicados, e cronista de primeira linha, ele é, antes de tudo, um dedicado profissional, empenhadíssimo no enorme desafio de mudar os ainda muito injustos paradigmas sociais no que diz respeito aos presos e ao encarceramento.

Não são poucos os casos de apenados e familiares que o procuram para agradecer – e ele atende a todos com atenção e sensibilidade. Não raro, relata em suas crônicas casos interessantíssimos envolvendo sua rotina diária de zelar para que as pessoas que têm dívidas para saldar com a sociedade possam fazê-lo com toda a dignidade e com chances de se reintegrar após a pena.

Mas, enquanto Joinville pode se orgulhar de medidas sérias e importantes para humanizar as relações entre presos e sociedade, leio notícias preocupantes envolvendo outros presídios catarinenses. Sei que o problema é bastante grave em todo o País. Sei que a sociedade não tem infraestrutura para cuidar de suas próprias mazelas, e esse é o pior panorama.

Um relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República mostra que auditorias realizadas em agosto do ano passado apuraram condições lamentáveis em cinco unidades prisionais do Estado – em pelo menos uma delas, houve relato de torturas com choque elétrico. Na reportagem veiculada sexta-feira passada, o governo catarinense alega que muitos dos problemas apontados pelo relatório já foram resolvidos. A própria Secretaria de Direitos Humanos admite avanços, mas sugere várias providências.

Não há, claro, como discutir um problema que atinge as vísceras da sociedade em tão poucas linhas. Mas há ao menos dois pontos importantes a destacar: o primeiro é o de que cada cidadão precisa assumir para si o papel de agente social em busca das soluções de que precisa o conjunto a que todos pertencemos. Somos diretamente responsáveis por tudo o que ocorre à nossa volta – se não pela ação, principalmente pela omissão. O segundo ponto é o de que o País precisa de muitos outros João Marcos Buch.

11jan

De ócios e alegria

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Uma das melhores coisas das férias são as pessoas que reencontramos nesses tempos de festas e verão. A vida vira uma saudável bagunça, não temos horários e nem tarefas predeterminadas, todos fazem de tudo, todos são um. E somos todos nós. Chova canivete ou faça um sol escaldante, somos pura solidariedade. Parceiros para jogar canastra, Perfil ou Banco Mobiliário, para brincar de jogar vôlei na praia ou correr ao supermercado quando se adivinham as últimas latinhas no freezer.

Interessante este exercício de comunidade. Um amigo de minha juventude, que se dizia um anarquista convicto, defendia que as pessoas vivessem juntas, em grandes aldeias onde produzissem o que comessem e não precisassem trabalhar além do estritamente necessário para a sobrevivência. Naquela sociedade ideal, não havia dinheiro e nada era de ninguém – tudo era de todos.

Ao contrário dessa sociedade alternativa muito estranha – porque, cá entre nós, não demoraria muito para alguém se cansar ou se acomodar à produção dos parceiros, rompendo o equilíbrio daquela utopia –, as férias compartilhadas por pessoas que se querem bem têm um tempo exato e todos se empenham em desfrutá-lo da melhor forma possível, participando equitativamente das tarefas, dos eventos, das despesas também.

Mas talvez a melhor de todas as características desses encontros entre familiares e amigos seja o esforço que cada um faz para superar as próprias fraquezas. Aquele que é meio ranheta não reclama das crianças que acordam cedo e tocam o terror pela casa; os que têm tendência ao ócio vencem a preguiça e entram de cabeça e coração na fila da lavação da louça e da limpeza da casa; os menos hábeis na cozinha se empenham ao extremo para fazer uma surpresa à turma, preparando um prato especial…

E não, não se trata de tentar ser alguém que não somos. Falo de abdicar momentaneamente de algumas pequenas manias, de velhos hábitos e confortos em favor da maior convivência com gente a quem queremos tanto bem. Isso inclui até mesmo fechar os ouvidos para algum palavrão que a tia meio desbocada não conseguiu conter ou mesmo engolir um deles, para não ferir a delicadeza de uma vovó pouco acostumada a linguagens menos ortodoxas.

Este é um tempo preciosíssimo, em que nos afastamos um pouco de nós e nos aproximamos do outro, entre muita música, churrascos, camarão, cervejas, sol e mar. Porque ao chegar, assim, perto do outro, percebemos o quanto nos é vital ser parte desse conjunto espetacular, feito de gentes e fazeres, de lindas paisagens e afetos edificantes. Não seremos outras pessoas, terminadas as férias. Seremos gente melhor.

15dez

Coração de tricolor

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Há tempos não pisava em um estádio de futebol. Apenas visitei a nova Arena do Grêmio, no final de 2014, de passagem por Porto Alegre. Mas há muitos anos não via um jogo. Até o final de semana passado, quando fui à Arena Joinville com minha filha Letícia e meu neto Lucas, ver meus dois tricolores em campo. Chovia muito e comprei ingresso para as cadeiras, junto à turminha joinvilense. Na linda torcida do Grêmio, a galera de sempre, a animação de sempre, a paixão de sempre – e eu me pergunto se aquelas pessoas, vindas de várias cidades do Rio Grande do Sul, não fazem outra coisa na vida.

Começa o jogo e logo aos cinco minutos o Grêmio marca o primeiro gol. Evoco meu torcedor-símbolo do tricolor gaúcho, meu pai, para ficar feliz, mas nem assim consigo comemorar. Com time reserva, o JEC não fez feio diante do terceiro colocado no campeonato – aliás, só fui ao jogo porque já não faria muita diferença na tabela. Do contrário, ficaria em casa, tentando esquecer que haveria aquele encontro.

A meu lado, Lucas, de nove anos, que joga futebol na escolinha do Grêmio, dava conselhos para o técnico Roger:

– Avança o Galhardo na cobrança do tiro de meta, puxa vida! – reclamava o meu loirinho, com ares de reprovação a um Grêmio bem meia-boca, tentando trocar passes, tocar a bola, em um campo encharcado. Mas, mesmo sendo gremista desde o útero, como diz minha filha, meu netinho é também torcedor do JEC. Ficou muito, mas muito triste mesmo com a queda para a segunda divisão – não se conforma até hoje com o pífio desempenho do time, que jamais deixou a zona de rebaixamento e, na maior parte do tempo, ocupou o lugar com que terminou o campeonato, a lanterna.

Com o coração dividido, vi o Grêmio ganhar de 2 a 0, meu neto sair decepcionado pela vitória do Atlético Mineiro– o que inviabilizou a vice-liderança para os gaúchos –, mas feliz que o São Paulo impediu o Inter de chegar ao G4. Comi uma pipoca salgada e fria e senti falta dos tempos em que ir ao futebol era uma aventura imensa, que começava a trezentos e tantos quilômetros do sempre querido Estádio Olímpico.

Gostei muito de estar na Arena – me senti segura, tranquila, vi um monte de crianças e famílias inteiras enfrentando a chuvarada pelo amor àquelas três cores, símbolos de uma cidade que vai seguir apoiando um time que tem, sim, todas as chances de voltar à elite do futebol. Vamos, JEC!