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 12jan 

De belezas e de sangue

 

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Era de amor que eu falaria hoje. Inspirada pela chegada recente de vidas novinhas em folha à minha família e à de queridos amigos, refletia sobre a nossa capacidade infinita de amar. E não apenas as pessoas, mas toda a vida que nos cerca. Que seria de nós sem nossas flores favoritas, os bem-te-vis que enchem de música nosso entardecer, nossos cachorrinhos, gatos, peixinhos, a lua cheia e fulgurante iluminando nossas noites, o som do mar a nos inundar a alma…

Era de amor que eu queria falar. Da necessidade sem fim de nos conectarmos ao outro, ao mundo, à natureza, daquele inconfundível sabor de saciedade estética que nos provocam algumas canções, a perfeição de um verso, a luz exata em uma imagem qualquer, a beleza do olhar da doce velhinha recebendo uma visita no asilo em que se refugiou.

Hoje, eu pensava na doçura de Cora Coralina, na intrigante integridade de meu poeta Cazuza, no angustiante colorido de Frida Kahlo e na magia da miscigenação maravilhosa entre o clássico e o popular, entre o que é som de academia e o que é barulho da rua – entre o que é sagrado e o que é pagão. Na vida e na arte, a beleza suprema se inicia dentro de nós.

Mais do que depressa, me aparecem na retina os alegres girassóis de Van Gogh, os deliciosos jardins de Monet, o rosto sereno de meu pai, as caretas serelepes de minha neta, as expressões de fé de minha mãe, as peraltices de meus três netinhos, a Secreta Mirada de Lya Luft, a cara estonteante de um Milton Nascimento em Travessia, Al Pacino cego e louco, a dançar um tango perfumado…

Era, enfim, de tudo o que é lindo que eu adoraria falar hoje. Mas uma cena terrível, ocorrida em Paris, me sabotou. Mais do que isso, reduziu a cinzas, sangue e pó, as minhas singelas intenções. Eu, que sempre procuro me cercar de vida, me surpreendo assistindo às notícias sobre as 12 absurdas mortes, no atentado que, uma vez mais, desferiu socos letais no estômago de nossas liberdades.

Meu querido amigo e conterrâneo João Gilberto Lucas Coelho conclui assim uma belíssima reflexão sobre essa barbárie e o caminho para a paz: “A raiz de tudo estará na capacidade de conviver, de se aceitar mutuamente e de confraternizar entre civilizações, culturas e religiões monoteístas, sólidas e enraizadas, próximas em seus preceitos e tão distantes em suas práticas”. Et oui, je suis Charlie.

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