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 29mar 

O homem nu

 

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Um sargento do exército foi levar a filha a uma creche, em Brasília, e percebeu que as crianças olhavam para um homem que estava nu, à janela de seu apartamento. O militar, então, após uma breve discussão com o exibido, sacou sua arma e atirou contra o cidadão – que não se feriu. Ao ler a notícia, fiquei refletindo sobre o fato, claro, imaginando que o rapaz peladão fosse apenas mais um desses rebeldes sem causa – ao que constava, ele tinha pouco mais de 20 anos. Mas me entristeci, ao ler os vários comentários de pessoas lamentando que o sargento houvesse errado o tiro e chamando o rapaz de pedófilo, tarado e coisas do tipo. Além da carga imensa de explícito ódio daquelas pessoas, o que mais me incomodou foi o julgamento sumário a que foi submetido o tal nudista.

Penso que lidamos muito mal com nosso próprio corpo e, especialmente, com nossa sexualidade. Honesta e felizmente, nunca tive nenhum contato com alguém diagnosticado oficialmente como portador da doença da pedofilia. Porque, sim, trata-se de uma doença psíquica, identificada e descrita pela Organização Mundial da Saúde. Não saberia dizer se o rapaz nu à janela de sua casa estava ali para se exibir às crianças da creche, se foi morar ali na intenção de estar mais perto das garotinhas e garotinhos, se ele sai à rua à procura de menores de idade para molestar – mas acredito que não, já que a matéria que li não cita qualquer antecedente do rapaz. Quero pensar que ele apenas saíra do banho e chegara à janela.

O mais grave desta situação foi a imensa quantidade de “paladinos da justiça” que se manifestaram de maneira grotesca, para ser sutil. Não faço, evidentemente, a defesa do sujeito peladão – pode ser que ele tenha feito tudo de caso pensado. Mas nossa sociedade hipócrita e doente tem pressa, sempre, de eliminar provas de suas próprias mazelas. Não me surpreenderei se, em função do incidente, o rapaz receber um selo de pedófilo na testa – e passar a ser hostilizado e desrespeitado pela vizinhança.E o que mais me deixa incomodada é a certeza absoluta de que, dentre esses justiceiros tantos – nessa e nas várias polêmicas que habitam as redes sociais –, certamente há muitos, mas muitos homens que ofendem as mulheres nas ruas, ainda que em disfarçados elogios. Há muitos, ainda, que agridem e matam suas esposas e namoradas, que desrespeitam seus próprios filhos. Antes de consertar o mundo, deveríamos olhar um pouco mais para o próprio umbigo – esteja ele exposto ou zelosamente escondido sob as roupas e as cores do preconceito e do ódio.

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